Cantinho do Zico - em 28/10/2011 por Arthur Antunes Coimbra

Goleiro Sofre (Cantinho republicado em homenagem a Luiz Mendes)

* Coluna publicada em 2004, quando fui treinador da seleção japonesa.

Raul, Cantarele... poderia citar vários jogadores de futebol que atuaram na mesma posição desses dois. É aquela em que as camisas são diferentes assim como a função em campo. Eles são os únicos que podem usar as mãos quando a bola está rolando. Na verdade, a obrigação deles é usá-las durante a partida para evitar os gols. Claro que estou falando dos goleiros.

Alguns dizem que é uma profissão ingrata, alegam que não cresce grama na pequena área de tão sofrida que é a função. Outros lembram que o atacante perde o gol, o zagueiro fura e o meia erra os passes, mas se o time sai de campo derrotado a culpa quase sempre recai sobre quem? O goleiro. Ele pode ter feito dez defesas incríveis, mas se deixar uma bola passar...

Os goleiros sempre foram muito importantes na minha carreira. Nos treinos, era com eles que aprimorava as cobranças de falta. Representavam o desafio a ser superado, o maior obstáculo no caminho da bola que estava em meus pés até o fundo das redes. Sempre respeitei todos eles, só que não podia perdoá-los quando estavam do outro lado. Mas fiz grandes amigos no mundo do futebol e muitos foram goleiros, como os dois que citei no início da coluna. Cantarele, por exemplo, hoje trabalha comigo na Seleção do Japão.

Pois a história desta semana tem o goleiro de um time amador como personagem principal. Foi na época das excursões do Flamengo pelo Brasil. Não me lembro exatamente o nome do goleiro, mas sei que o jogo foi em Roraima e que o adversário era uma seleção local.

A diferença entre as duas equipes era muito grande e deixamos o campo no primeiro tempo já com uma goleada de 4 a 0. Quatro gols meus. No segundo tempo, a equipe voltou com uma formação diferente, tocou a bola para não se desgastar muito e o placar ficou por isso mesmo.

Um resultado normal em uma partida tranqüila.

O detalhe curioso envolvendo esse jogo aconteceu na hora do embarque, no dia seguinte após a goleada contra o pessoal de Roraima. Estávamos lá esperando o vôo ao lado dos jornalistas- que sempre acompanhavam o Flamengo-quando um sujeito carregando um daqueles gravadores bem grandes da época se aproximou do Luiz Mendes, que era da Rádio Globo. Ele perguntou se podia entrevistá-lo. Muito solicito, o "Tchê" disse que sim. Comentou que o time do Flamengo decidiu o jogo logo no primeiro tempo e depois no segundo tempo só fez a bola correr, e tal. Falou ainda que a partida foi fácil. Enfim, fez uma análise.

Não satisfeito com a resposta que tinha acabado de ouvir, o repórter insistiu e perguntou ao Mendes se ele havia gostado de alguma coisa que viu na Seleção de Roraima. O radialista foi diplomático e lembrou que se tratava de uma equipe amadora. A essa altura o repórter já estava impaciente, parecia aguardar algum comentário mais específico. Tomou fôlego e partiu para a pergunta definitiva. E nós, jogadores, só observando à distância:

- Luis Mendes, e o goleiro? O que você achou do goleiro do time de Roraima? – disparou o repórter.

Mendes não pensou muito e respondeu calmamente:

- Bom, o goleiro do primeiro tempo era muito baixinho. Tanto que o Zico jogou as bolas pelo alto, porque ele não conseguia alcançar a trave, e marcou três gols de cobertura. O outro gol foi de falta também por cima dele. Quando entrou outro goleiro no segundo tempo o time melhorou um pouco.

Decepcionado com a resposta, o repórter tirou o microfone, o fone do ouvido, parou a gravação e revelou constrangido, falando bem baixinho:

- Luiz Mendes, o goleiro do primeiro tempo era eu.

Claro que a turma que estava vendo a cena saiu de perto dos dois. Caímos na gargalhada com a situação. Quem ia imaginar que o goleiro era também repórter da rádio local? Quando voltamos, ele já tinha ido embora de fininho.

Vida de goleiro é difícil! E esse sofreu duas vezes.