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Em 10/01/2014 por Edu Coimbra

Zélio, o "PERNA DE PAU"



Desde os tempos mais remotos na rua Lucinda Barbosa, o local escolhido para as principais peladas do bairro de Quintino Bocaiúva, era uma parte de terra batida numa extensão, digamos, de 30 x 10 com extensas valas nas laterais onde o esgoto misturava-se aos objetos lançados pelos moradores locais. Claro que todos faziam sem a menor consciência do mal que praticavam, apesar dos cuidados e orientações do Sr. Teófilo, um dos líderes dos adultos, funcionário administrativo COMLURB-Piedade, que ficava na rua Manoel Vitorino, juntinho da faculdade Gama Filho.

Apesar do cheiro desagradável e do perigo iminente das quedas dentro daquela imundice, tanto os adultos quanto a molecada desafiavam em nome da diversão os perigos de contraírem doenças por contato direto com as inúmeras bactérias espalhadas pela língua negra formada pela água pegajosa e fétida, que era dragada apenas quando a chuva caía torrencialmente, levando para os rios da redondeza aquela enxurrada de detritos.

Um caos no meio da emoção e alegria colocada em prática nos jogos lúdicos de futebol com bolas de borracha; nas linhas de passe com bolas de meia; nos tecos com as bolas de gude; nas esticadas das pipas multicoloridas, com rabiolas dos mais variados tamanhos; nas espetadas do ferro no jogo de triângulo; nas partidas de “cotôco”- com duas equipes produzidas artesanalmente com papel fino enrolados nos pedaços dos cabos de vassoura simulando as equipes e os atletas em campo, acionando a bola de ping-pong em direção as balizas armadas no chão batido com palitos de sorvete da Kibon-, entre tantas outras brincadeiras criadas e praticadas pela gurizada!

A bola, como se pode notar, sempre predominando como o principal instrumento de lazer. O brinquedo predileto na hora do pedido, em carta, para o Papai Noel.

Chega-se a conclusão de que, na ânsia pelo prazer suburbano, sempre valeu a pena a coragem de enfrentar o risco de uma possível contaminação. Em realidade, a contaminação sempre foi pelo calor da disputa e pela interação humana, obediência e respeito, fundamentais na formação moral de cada participante e na inclusão social, tão exigida nestes tempos de “vacas magras” e conjugada por todos, com elevado espírito competitivo.

Diante deste quadro grotesco, os confrontos, os desafios contra as equipes de outras localidades, davam um toque de graça e um colorido especial àquela rua, responsável pelo aparecimento de grandes jogadores que se tornaram profissionais de clubes no Brasil e no mundo, como o dono deste site que nem precisamos dar o nome verdadeiro, mas o apelido que diz tudo: “Galinho de Quintino”.
Ressalte-se o elevado número de fanáticos torcedores bairristas, principalmente nos fins de semana. O ”couro comia” e a rivalidade consciente sempre estava em primeiro plano.

Quem jogou pelada de rua sabe muito bem as regras discutidas e elaboradas momentos antes das partidas. Eis algumas delas:

1) o vencedor seria quem fizesse 12 gols primeiro / 2) faltas só quando o jogador era jogado na vala / 3) substituição só em caso dos pais retirarem alguém da pelada/ 4) havendo brigas, a” turma do deixa disso” entrava em campo para apaziguar os nervos/ 5) os técnicos tinham que ter atitudes generosas, serenas e com profissão comprovada. Ou seja: de sapateiro, corretor zoológico a médico, contava mesmo a compra das bolas e a oferta das camisas para a meninada. / 6) valia tudo, menos xingar a mãe .

Pois bem, com essa atmosfera, uma grande rivalidade foi posta em prática num desafio aguardado com ansiedade, lá pelos anos 50, entre duas “seleções de rua”: a da Lucinda Barbosa com o fabuloso Zélio no gol, Mazinho na zaga e os irmãos Zeca, Edu (que vos fala) e Nando, contra o poderoso esquadrão da rua Bernardo Guimarães formado pelo dinâmico arqueiro “boiola “ Marujo, o excelente beque Alcione e os irmãos Pompom , Maninho e Neném. Uma badalada “guerra” entre as duas equipes, incentivadas pelos aficionados ensandecidos, nervosos e soltando gritos histéricos e assustadores.

Jogo duro, equilibrado com placar variando de momento a momento. Um gol aqui, outro lá. Nenhuma das equipes conseguindo colocar uma vantagem significativa até o derradeiro e decisivo lance, quando a partida estava em 11 x 11. Recordo da escuridão tomando conta do ambiente, pelo adiantado da hora, colorindo o céu cinzento de poesia, em meio aquela verdadeira ” batalha campal”. Para você ter uma ideia foram mais de 3 horas de “combate”, começando às 4 da tarde e terminando quase às 7 horas da noite, quando até as “tanajuras” de rabinhos expressivos já haviam dado o fora com voos rasantes pelas cabeças de todos os participantes. E a bola rolando, cara!

Ataque da Lucinda, Edu (eu) pega a bola, após um passe de curva do Mazinho, domina e carrega a bola em acelerada escapada. Atravessa a meia cancha, tabela com o gênio Zeca que, surpreendentemente, faz um corta-luz sensacional e a bola vai para o Nando na ponta esquerda do campo, quase junto à vala. Ele pega na bola fica de frente com o zagueiraço Alcione. Dá-lhe um “piru” humilhante e arremata com precisão em direção ao gol. O Zeca que acompanhava o lance dá um toque de “chapa” no cantinho da baliza feita com latão de óleo diesel e estocadas, no cimento, com ripas de 1 metro, aproximadamente.

A galera ouriçada já gritava gol quando o Marujo “boiola” dá um mergulho magistral, estica o braço direito e defende sensacionalmente. Até o celso garcia, o ”garoto do placar”, levantou para aplaudir a defesa milagrosa do goleiraço marinheiro!

Foi aí que veio o contra-ataque fulminante do time da Bernardo, pois o da Lucinda estava todo adiantado. O vigoroso e elegante Alcione recebe e dá um passe em profundidade para o Pompom, veloz como um raio, que avança pela direita do campo e fica sozinho diante do negro Zélio, o “crioulo elástico”, como era chamado pela maioria.

Pois bem, o Pompom vendo a saída desesperada do Zélio, dá-lhe um drible desconcertante e caminha livre com o gol vazio à sua frente. Era a vitória da Bernardo, em grande estilo, que se imaginava fosse acontecer. Mas eis que o notável Zélio tira a muleta da sua fina e prejudicada perna esquerda, e num lampejo mágico lança-a com extrema precisão na direção da bola, acertando o alvo de mira e salvando o que seria o gol da vitória do time da Bernardo.

E mais!!!

A bola bate na trave, ele se joga mesmo sem a “perna de pau” e abraça a “gorduchinha” com intensa segurança. Pega a muleta de volta no chão e dá com ela na bola, impulsionando-a com uma força de braço inusitada. A bola sobrevoa todo o campo indo direto na cabeça do Zeca que, sentindo a saída do Marujo, dá um lençol magnífico e empurra com categoria para o gol, selando a vitória da Lucinda neste jogo memorável onde as duas equipes mereceram os aplausos entusiasmados dos espectadores, independente da torcida por uma ou outra equipe.

A apoteose deu-se, evidentemente, com o nosso querido Zélio, o “homem da perna de pau”, o “aranha negra”, o famoso “toc-toc “, o destaque maior da partida.
Ao ser carregado em triunfo pelos dois times e pela torcida orgulhosa, enaltecendo a sua coragem e o alto espírito desportivo, foi, reconhecidamente, considerado o maior exemplo de perseverança e ausência preconceituosa em função da cor negra e da anormalidade física, contraída ainda no período de gestação, segundo as opiniões de vários médicos do bairro, dentre os quais, o clínico geral da família Coimbra, o Dr. Py. O porquê do Py eu não sei. Segundo relato dos pais, este médico foi o guru e salvador de inúmeras crianças do bairro, por longos anos. Aliás, médicos exclusivos de família, só mesmo naquela época!

Apesar dos meus quase 10 anos, deu pra fixar na memória a polêmica gerada em torno deste confronto e da difícil missão de convencer o time da Bernardo de aquela derradeira ação do Zélio com a muleta, foi lícita, ou não, pois a confirmação aconteceu, devido a intensa comemoração do time da casa e pelo troféu recebido, gentilmente ofertado pela Superball da rua Marechal Floriano.

Até hoje os moradores da Bernardo Guimarães reclamam deste episódio ocorrido num sábado de Flamengo 2 x 2 Vasco, no Maracanã. Dois clássicos memoráveis e emocionantes!

No fim de tudo, a confraternização com um delicioso churrasco promovido pelo Sr. Osmar lajes, o “vovô”, banqueiro do de bicho daquela área, que para nós tinha a conotação de um avô de verdade.

Tempos de pureza d’alma e inocência, privilegiadas pelo puro sentimento desses corações infantis, sempre de bem com a vida.

Termino feliz, gritando em alto e bom som: Salve o querido Zélio, onde quer que ele esteja!



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