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Em 28/11/2014 por Edu Coimbra

O chute fatal




turma das peladas
Domingo de sol brilhante envolto em nuvens claras como se fossem pedaços de mármore de carrara a enfeitar o céu de espessa brancura. Bom prenúncio para a família Coimbra que, uma vez mais, inicia a preparação para um evento de caráter pomposo, aguardado com expectativa e ansiedade. Desde o patriarca, o Sr. Antunes, passando pela ninhada de filhos composta por Zezé, Zeca, Nando, eu, Tunico e Zico, até a matriarca Dona Mathilde, o primor, a elegância, o esmero e qualidade nas vestimentas se faziam notar.

Meu velho e refinado pai, alfaiate dos mais conceituados no centro da cidade do Rio de Janeiro, sobressaindo com um vistoso terno de linho preto, camisa branca e gravata também escura. Minha mãe, num longo vestido passando pelos joelhos, de tom bastante sombrio, ostentando um lenço que envolvia os seus lindos cabelos negros e cobrindo superficialmente a cabeça. Os pequeninos machos, muito bem “uniformizados”, exceção feita ao bebê Arthur, com bermudas pretas, camisas brancas, meias e sapatos negros, e as famosas gravatinhas borboletas de cor azul marinho. A nossa irmã, capítulo à parte, destacada pela boniteza juvenil, bem parecendo um clone da mãe.

Uma ruidosa festa se fazia sentir em cada coração infantil, no deslocamento para mais um encontro com a imensa parentada lusitana, em todas as suas ramificações. Laços de sangue rumando para o mesmo destino: um tradicional bairro da baixada fluminense.


De bigode e elegante, Tio Tuneca
Como automóvel naquela época era considerado artigo de luxo, o jeito foi mesmo pegar o imponente ônibus da linha Méier-Nova Iguaçu, ponto e destino final desta apoteótica e histórica viagem.

Imaginem a balbúrdia provocada pela criançada dentro do veículo, já que o trecho parecia interminável, dada a distancia entre os dois centros urbanos. Uma bagunça organizada, desenvolvida a pleno vapor, pois o forte calor dentro do veículo mexeu com a “fogocidade” traquina da molecada.

Ainda tenho na memória, o príncipe loirinho no colo da nossa mãe, de boca enfiada nos seios, a mamar com aquela felicidade que só a natureza dos seres, iniciando o processo de vida, usufrui. O olhar cândido, a posição suave e confortavelmente saudável realçando um verdadeiro painel de beleza materna, único e inconfundível na raça humana. Segundo o relato dos nossos pais, este caçulinha, de tão guloso, sedento e faminto, mamou até aos seis anos de idade. Mais do que a vontade de saciar o desejo, foi considerado o neném mais fominha de todos os tempos, igualando o recorde de uma criança japonesa, de Matsuzaka, cidade esta, segundo especialistas, a que produz as melhores vacas e, consequentemente, o melhor leite do mundo.


Olha eu aí...
Que rara coincidência, Brasil e Japão no topo do ranking mundial!

Meu pai sempre dizia: a Dona Mathilde é uma verdadeira “vaca” leiteira. Sorte, então, dos filhos que tiveram o prazer de saborear o mais puro alimento do universo.

Ora, pois, pois! Foi assim, inebriante, poético e festivo o princípio desta aventura, que acabou se transformando numa grande surpresa com o decorrer das horas.

Depois de tantos panoramas visuais e atividades lúdicas, no interior do veículo, finalmente desembarcamos na rodoviária, instalada bem próxima à residência de nossos tios Antonio e Ernestina, cunhado e irmã do meu pai. A chegada, a esta casa, deu-se por meio de uma pequena caminhada e aquela “esperta” pegada de atalho. Na verdade, um corta caminho, uma artimanha de entrada pelos fundos, onde havia uma passagem estreita, mas comprida, com espaços propícios às brincadeiras infantis, e que nos levou diretamente à casa dos tios. Evidente que a “invasão” pelos fundos ocultava os pormenores da entrada principal, ocasionando um clima sombrio em razão da pouca luminosidade existente naquela área. Obviamente, pouca importância foi dada pela garotada, afim de diversão, tão somente.


Agora sim meu irmão Zico...
O primeiro impacto, gerando um encantamento hipnótico, foi dar de cara com um enorme viveiro instalado no centro do quintal. O piso do chão concretado, revestido com pedras portuguesas, refletia um colorido exuberante nos canários, periquitos, cardeais, calopsitas e no papagaio tagarela, colocado ao lado das aves, por fora da gaiola de telhado prateado. Este último pássaro, o maior de todos, dando um show de graciosidade melodiosa, ao assobiar harmoniosamente, em pequenos intervalos, o hino oficial rubro-negro para o descontentamento dos vascaínos em maior número presentes. Antes dos formais cumprimentos do tradicional envolvimento familiar, a primordial contemplação ficou evidenciada pelo brilho nos olhos dos adultos e, principalmente, nos de cada criança, admirando em êxtase paralisante, o mar de penas esvoaçantes, no oceano de cores cintilantes.

O tempo passava, mais e mais parentes iam chegando. Em consequência, a “primalhada”( ou “primarada” ? ) aumentava, somando mais de uma dezena de crianças a tomar conta do vasto quintal da mansão do Sr. Rolim, meu tio Tuneca.
Notório perceber o afastamento das meninas, orientadas para que fossem alojadas em um dos amplos quartos da casa. Interessante verificar que, da parte delas, a maioria com mais idade que os meninos, havia certa disciplina com alguns semblantes contritos, diferente da confusão imposta pelos garotos em ruidosa profusão de alegria, imposta pelas brincadeiras grupais.


Mais uma foto de família
Lá pelas tantas, já de tardezinha, o inevitável aconteceu. A tradicional pelada em família, bem próximo à porta entreaberta da imensa sala de jantar, local mais nobre do imóvel. Curioso foi a utilização da bola de couro número 1, fabricada pela Casa Nair, nas cores vermelho e preto. Até nisso há explicação para o acontecido no futuro.

Divididas as equipes, equilibradas de acordo com a faixa etária, foi iniciada a partida com desenvoltura e arte, exceto por um dos primos, o Tuninho, que além de tremendo “perna de pau”, enxergava com dificuldades por ter os olhos em desalinho em função de uma rara desarmonia ocular. Num verdadeiro “bulling” da época, foi apelidado de “caolho”, “cegueta”, ou algo que o valha. Ele nem ligava porque tinha conhecimento de que não havia maldade por parte de seus primos.

Partiu dele o inusitado, a surpresa maior e a grande descoberta do dia. Depois de uma disputa acirrada no meio do campo, marcado com giz, ele invade a área adversária, fica de frente para o goleiro postado na linha das balizas montadas com latas de 5k de manteiga e desfere um potente e descalibrado petardo com o pé direito, com a nítida intenção, ao menos para nós, de acertar o gol. O que aconteceu com a situação criada por este chute fatal serviu, por um momento, como um choque, quase traumático, na alegria da criançada.

Com a violência do chute a velocidade da bola foi tanta que ela invadiu a sala, abrindo totalmente a porta do salão nobre, indo alojar-se em algum lugar, que ninguém imaginou onde estaria localizada. Rapidamente corri para buscá-la, na ânsia de recomeçar o jogo. Entretanto, quis o destino que o meu primeiro contato com o além tivesse a marca da emoção e da perplexidade. Explico: a preciosa bola flamenguinha, depois de tantos quiques com derrubadas em vários objetos, inclusive nas velas acesas nos castiçais verticais postados nas laterais, adormeceu dentro do caixão dourado, ao lado da cabeça inerte da minha avó, mãe de meu pai.

Tive a nítida impressão de ouvi-la balbuciar suavemente ao meu ouvido: “meu netinho, pegue a bola, vá brincar e me deixa descansar, por favor”

Obedecendo as ordens dela, peguei a bola, corri de volta para o quintal e a pelada “comeu” solta novamente, até a hora do cortejo fúnebre, desfilar pelas ruas de nova iguaçú, em direção ao cemitério local. FIM.

• Na conclusão deste episódio, refleti: “por mais misteriosa, complicada e dramática, a situação encontrada em nosso caminho, a verdade sempre vem a tona. importante é encarar com fé, coragem e compreensão, pois a vida segue em frente e a solução sempre aparece”



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